Governo do Equador recua diante da mobilização indígena





















Ministra do Interior diz que vai analisar o recurso da Conaie para permanecer na casa

Enquanto o presidente Rafael Correa falava de sua "revolução cidadã" em Pequim, buscando parcerias econômicas e comerciais com a China, no Equador, o dia era de luta para os indígenas ameaçados de expulsão da sede da CONAIE, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador. Extinguia-se nesse seis de janeiro o prazo dado pelo governo para que a histórica entidade, uma das mais importantes do mundo, deixasse o prédio que ocupa em comodato desde há décadas.

Desde domingo várias entidades indígenas, de diversos lugares do país tinham iniciado uma marcha até a capital visando o cerco ao prédio e a resistência, caso a polícia tentasse desalojar a entidade pela força. Quando o dia amanheceu milhares de pessoas já marchavam em direção a sede da CONAI, na Avenida de los Granados,  dispostos a não arredar pé. Já no início da manhã foi instalada uma Assembleia Extraordinária, a qual virou espaço de manifestações. O presidente da entidade, Jorge Herrera, deixou claro a importância da CONAIE: "A partir dessa casa temos discutido e aprofundado as propostas para a construção de uma sociedade mais justa. Por isso decidimos que se pretendem nos tirar daqui, hão de nos tirar mortos, porque essa casa é do povo".

Também fez uso da palavra o presidente da CONFENIAE, Franco Viteri, que igualmente reiterou: "essa casa é território das nacionalidades e dos povos, aqui aprendeu o mesmo presidente Correa, portanto não vamos abandoná-la. Se o presidente pretende nos tirar daqui, estará contradizendo todo o princípio de plurinacionalidade e indo contra seu próprio discurso.  Outra liderança indígena, Carlos Pérez, assinalou que a casa da CONAIE agora se constituía um símbolo da resistência indígena. "Esse edifício é fruto da luta do movimento indígena, do levantamento dos anos 90 e por isso vamos defender a memória histórica de nosso povo".

E assim foram se sucedendo as falas e o compromisso de lideranças populares de tantas organizações equatorianas na defesa da CONAI e do seu direito de permanecer na casa que foi conquistada ao longo de décadas de luta. Não faltaram também as manifestações cerimoniais de proteção da casa e da luta indígena, como a realizada por um grupo de chasquis que caminhou pelo país desde o dia 29 de dezembro. Eles entregaram oferendas ao presidente da CONAIE e desejaram os melhores augúrios ao seu Conselho de Governo. Foi um momento de profunda emoção.

Durante o desenrolar do encontro e das manifestações foi divulgado que a ministra do Interior, Betty Tola, havia suspendido o desalojo e que iria analisar o recurso interposto pela entidade. Segundo ela, nova decisão deverá sair em dois meses.

O informe saído do ministério do interior foi saudado como um importante ganho ocasionado pela intensa mobilização. Ao se encerrar a assembleia, a resolução final foi a decisão de permanecer na sede da entidade e começar a partir daquele momento mais uma processo de fortalecimento das entidades de base, que sustentam esse gigante que é a CONAIE. O objetivo é manter toda a gente em movimento durante esse dois meses nos quais o governo deverá discutir o recurso.

Depois de encerrada a assembleia, em meio a cerimônias e cantorias, os delegados e apoiadores realizaram uma caminhada pelas ruas de Quito até o Palácio da República, mostrando que as nacionalidades indígenas do Equador está de pé, em luta e não desistirão de manter sua sede histórica.  

Foi mais um dia de batalha pela consolidação daquilo que está na Constituição, mas que segue sendo esquecido pelo mandatário equatoriano: a plurinacionalidade e o bem viver. Nos cartazes e nas falas dos indígenas, a consigna que deverá seguir ecoando pelos meses afora que se configurarão em novas lutas: "Por nossa história, por nossa luta, da nossa casa, ninguém nos tira".


Com informações da CONAIE Comunicación.

Os índios estão de pé!


















por elaine tavares

A nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é representante máxima do agronegócio no Brasil,  em entrevista ao jornal Folha de São Paulo disse, reportando-se a uma pergunta sobre os conflitos fundiários com os indígenas brasileiros, que isso só tem acontecido porque os "índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção".

Essa frase singela mostra o quanto a fazendeira desconhece a história do país da qual hoje está ministra. Para Kátia, lugar de índio parece ser apenas a profundeza da floresta amazônica, reforçando assim o estereótipo do "selvagem" que, ou se integra no mundo branco como base da pirâmide, ou que fique "no seu lugar", que é, obviamente, o recôndito da selva. Nada poderia ser mais patético, embora outra coisa não se pudesse esperar de alguém que certamente apenas conhece as fronteiras do seu latifúndio e o dos seus iguais.

Os indígenas brasileiros não são exclusividade da floresta amazônica, embora aquela região abrigue a maior parte das etnias. Eles estão em todos os estados do país, em regiões que em nada pode lembrar a "floresta". Ocupam áreas - muitas delas ainda não demarcadas - que muito mais parecem prisões insalubres do que território digno de vida. Raros são os grupos que já conseguiram demarcar territórios capazes de conter toda sua cosmovisão e de garantir o livre acesso a sua cultura. Outros tantos aguardam nas margens das rodovias, morrendo como moscas, que o governo demarque as terras que lhes são de direito.

Os indígenas brasileiros ocupam a imensidão do que hoje é o Brasil muito antes que os  mais remotos ascendentes de Kátia Abreu tivessem aberto seus olhos para o mundo e, quando aqui chegaram os invasores portugueses roubando-lhes as terras, eles  circulavam livremente pelo território que, então, tinha as fronteiras étnicas muito bem demarcadas. Logo, não são eles que estão "descendo para as áreas de produção", como entende a ministra, com sua mente de colonizadora do século XVI. É o contrário. São os grandes e médios  fazendeiros  que estão cada dia mais invadindo as terras indígenas, com o discurso de "garantir o aumento da produção agrícola". Um discurso furado também, porque os grandes latifúndios não produzem comida. Produzem grãos par alimentar gado nos Estados Unidos, ou cana para girar a indústria do biocombustível.

Também é importante dizer que ao longo de cinco séculos, enquanto os invasores assentavam suas bases, esses povos vêm lutando para garantir sua existência. Muitas etnias foram dizimadas mas ainda restam  outras tantas que, atualmente, vivem um crescendo, retomando seu território e reavivando sua cultura. Para os fazendeiros que Kátia Abreu representa, essas população são, de fato, um atrapalho, e nem mesmo seu grito mais doloroso - como foi o caso dos Guarani Kaiwá, do Mato Grosso do Sul - encontra eco em suas mentes. Essa comunidade chegou a decidir imolar-se em uma luta sem quartel por suas terras e ainda assim segue sem a definição de seu território. No entender dos grandes proprietários de terra da região, bem melhor que morram, para que o estado fique livre do "obstáculo".

O que choca não é a opinião de uma mulher que, todos sabem, representa o latifúndio. Seria estranho se ela não pensasse assim. O que realmente nos atinge, de maneira cabal, é o fato de que esse pensamento expressado por ela encontra morada no coração e nas mentes de um número gigantesco de brasileiros, tomados pelo preconceito e pelas ideias racistas. Índio bom é o que fica na floresta, o que aguenta sua desdita em silêncio, o que não incomoda. Já aqueles que clamam por justiça, que enfrentam o latifúndio, que exigem do governo o seu território, esses são vagabundos, bêbados, terroristas, ou seja lá mais o que for de ruim e perverso. A ministra não está sozinha no seu discurso egocêntrico e racista. Isso é o que choca.

Tanto a mídia comercial, como os livros de história e as conversas em família - os longos braços  da ideologia colonialista e racista - aprofundam todos os dias esse sentimento de rechaço pela luta indígena. Fazem parecer que toda a cosmovisão originária, de cuidado com o ambiente, de relações equilibradas com a natureza, de colaboração e equidade, seja uma coisa atrasada, anti-progressita, ligada a  um remoto passado que nunca mais vai voltar. Exigem que os indígenas se "integrem" na civilização branca, mas, quando eles o fazem, são discriminados. Bem como se desejam ficar nos seus territórios originais, são tachados de anti-históricos.  Exigem dos índios a sua desaparição, não querem se ver matizados com o que consideram uma "raça inferior".

O bom é que o atual movimento indígena brasileiro está cada dia mais forte. Tem lideranças jovens, aguerridas e persistentes. Uma gente que não se rende aos estereótipos e não faz concessões. Essas comunidades que o "mundo da produção" está invadindo, estão de pé e lutam. Saberão responder à altura toda a ignorância que insiste em se disseminar em declarações como essa, vindas da boca de uma ministra de estado. Os índios não estão descendo para a áreas de produção. Estão subindo as rampas dos palácios, entrando nas terras que lhes pertencem,  exigindo seus direitos. E, à despeito de todos os que insistem em lhes esconder nas "florestas", eles assomam, coloridos, alegres e guerreiros, na direção da terra sem males.


 Eko porã!