Chegou a primavera!!!

alegria

Os povos pagãos, nas suas culturas, sempre me pareceram mais sábios. Eles tinham como costume celebrar a vida nos equinócios e solstícios, rendendo homenagens às estações. E isso não era coisa à toa. É porque cada estação traz com ela suas bênçãos. No girar desta bola azul, as comunidades vão experimentando a beleza do outono, a introspecção do inverno, a volúpia do verão e a alegria da primavera. É ainda nesse lento rodopiar que a terra e as gentes vão encontrando seu momento de plantar, colher, descansar e dançar.

Pois hoje, nesta nossa parte do mundo, é o equinócio da primavera. No ritmo das estações, tudo começa a vicejar. A voz dos passarinhos fica mais forte, as flores embestam a aparecer e, a despeito de todas as dores e lutas, também as pessoas parecem florescer em festa.

Aqui estamos nós no imenso jardim vendo cada coisa que plantamos no inverno, apontar pela terra afora. Então é hora de dançar a dança dos deuses, fazer “pago à Pacha Mama”, reverenciar Inti (o sol), saudar Ñanderu, o grande pai Guarani, que com Jacy e Kuaray tornam esse mundo tão belo. É tempo de dizer o nome da beleza para que ela nos tome inteira como crêem os Navajos.

Um dia, bem longe, os povos do leste invadiram nossa Tekoá (terra-casa) e soterraram a cultura autóctone, trazendo novo deus e desconhecidos santos. Mas, sempre é tempo de recuperar nossa condição primeira, de povo de Abya Yala, e retomar velhos rituais. A caminhada dos tempos já tratou de mostrar que na profusão de deuses e deusas que co-existem nas mais variadas culturas, o que fica como certeza final é de que esta terra é sagrada e cabe a nós cuidar para que ela siga firme, com saúde e um lugar bom de viver. A Eko Porã do povo Guarani(terra boa e bonita para todos) .

Esse tempo ainda não vingou, proliferam as guerras, as gentes precisam migrar de um lado para outro buscando sobreviver em meio à destruição do capital. Mas, em cada ser que vive, brilha a indefectível esperança. Dia virá em que todos poderão dançar para Inti, Pacha Mama, Viracocha, Quetzalcoalt, Istsá Natlehi, Wakan Tanka, Krisna, Jesus, braços dados, irmãos. E a terra será bela, e o banquete repartido. Paraíso. Socialismo. Eko Porã.

Enquanto isso, celebremos, pois. Os passarinhos nos chamam, as flores perfumam a vida e nós temos a obrigação de render graças. Porque nada no mundo pode ser melhor que caminhar na direção da beleza, da vida plena, da alegria, da Eko Porã. Em meio à tormenta, cantamos, dançamos e plantamos jardins porque confiamos, como Jeremias, diante da sua terra arrasada, que ainda vingarão flores neste lugar...

Feliz primavera! Viva Abya Yala..

Famílias indígenas lutam pela terra em Tilcara





Tilcara é uma pequena cidade do norte da Argentina, na província de Jujuy. Um lugar quase de sonho, de paisagem incrível, árido, seco e arenoso, cheio de cactos gigantes. As ruas são pequenas, o povo é alegre e, nas noites, se pode ouvir a alegria dos “carnavalitos”, nas famosas “peñas”, espécie de tertúlia de cantos e danças. Tilcara é uma cidade de rosto indígena, já bem próxima da Bolívia, fazendo fronteira entre o grande território aymara e o atacama. No domingo, a praça se enche do artesanato local, com suas cores vibrantes e lembranças ancestrais. Também é ali que se pode visitar a incrível fortaleza construída pelos omaguacas no século XII, para defesa de sua gente. E, talvez por ser espaço de tanta beleza, é também muito cobiçada pelos grileiros de terra.

Nessa semana muitos foram os conflitos na região envolvendo uma comunidade indígena de cerca de 150 famílias, autodenominada “Cueva del Inca”. Os moradores, descendentes de atacamas, coyas e aymaras, estão sob ameaça de despejo por uma família local que, ao logo dos anos foi vendendo suas terras e agora afirma ter os registros de grande parte do território ocupado por centenas de famílias que ali vivem desde antes da chegada do primeiro homem branco ao lugar.

As lutas pela terra ficaram mais acirradas depois que a região de Humahuaca foi declarada Patrimônio da Humanidade, em 2003, atiçando a cobiça daqueles que vislumbram lucros astronômicos com o turismo que começa a crescer. Os agentes da especulação imobiliária já estão por toda a região e pouco se importam se aquelas terras tem valor espiritual para as comunidades que ali vivem. Muitos acabam sucumbindo à pressão e às mentiras dos arrebanhadores de terra, engados pela promessa de uma vida melhor. Outros cresceram o olho e decidiram também tornar suas terras mercadorias. Mas, outras comunidades não se rendem ao canto da sereia e resistem nas suas terras. Essas, acabam enfrentando outros inimigos, bem mais difíceis de espantar: a legalidade burguesa, a justiça, a polícia.

É o caso da Comunidade “Cueva del Inca”, que tem sofrido toda a sorte de ataques, inclusive de pandilhas armadas. Tudo isso por que um juiz decidiu que as terras onde vivem essas famílias pertencem a uma única família em especial: os Mendonza, e exigiu o despejo. Depois dessa ordem muitos tem sido os confrontos. Segundo os moradores locais, nunca se soube que essa família fosse dona dos terrenos e as pessoas que ocupam o território estão ali há gerações.

Mario Mendoza, o representante da familia que agora aparece com papéis de posse é atualmente Diretor de Ação Social do municipio, o que torna o assunto muito mais grave. Segundo os relatos que podem ser lidos nas reportagens e notas comunitárias publicadas na “Red Latina Sin Fronteras”, esse senhor tem sido responsável por abuso de autoridade, maus tratos e violência psicológica contra as famílias indígenas, e já foram feitas várias denúncias à intendência sem que nada seja feito.

Por conta desse descaso as famílias que vivem nas comunidades originárias têm realizado protestos com os tradicionais trancamento de estradas, típicos da ação indígena, exigindo que o funcionário seja retirado das funções que deveriam ser a de proteger as pessoas e não as de provocar violência.

Os moradores da comunidade “Cueva del Inca” dão testemunho de que a família Mendonza, também moradora da região e que agora reivindica as terras, fez várias vendas irregulares de terrenos, inclusive acabando com muitos dos caminhos tradicionais das famílias, jamais sendo questionada pelos fiscais municipais. Conforme Mabel Valerio, vice-presidente da Comunidade Cueva del Inca, as famílias vão continuar lutando pelo direito de viver em suas terras ancestrais amparando-se nas leis nacionais. Há uma, inclusive, chamada Lei de Emergência de Propriedade Comunitária que evita qualquer despejo em áreas reconhecidamente comunais.

O fato é que a cobiça imobiliária chegou para valer na região norte da Argentina, antes um pouco escondida dos gulosos olhares das empreiteiras que já sonham em construir grandes hotéis e coisas do gênero. E, de novo, as gentes originárias precisam se enfrentar com a sanha dos poderosos, dispostos a arrasar tudo para conseguir o que querem. Mas, como no passado, agora também haverá luta, resistência, batalhas. Porque a terra, para um indígena, é muito mais do que um lugar onde se ergue a sua morada. É espaço de deuses, é território sagrado, é altar da Pachamama. Muitos, como a família Mendonza, que agora se alia aos grileiros, sucumbem à cobiça, mas a maioria das gentes não quer saber de outra vida que não a que já vive, em paz, em harmonia com a terra. Esses são os que agora lutam e se preparam para as batalhas.

A luta das gentes de Tilcara não se difere das tantas lutas nessa nossa Abya Yala, não se difere das que travamos no Brasil, ou aqui, bem debaixo do nosso nariz, no Campeche, onde cada dia que passa brota um novo condomínio, solapando a vida que tanto se batalhou para conseguir. Por isso que temos de contar essas histórias, porque são as nossas histórias. E temos também de dizer da resistência dessa gente simples, para que possamos empreender a nossa. A luta de cada irmão nessa imensa américa é a nossa luta também.

Todo apoia aos irmãos de Tilcara. Jallalla!



Os zapatistas – hombres de maiz



Essa lenda contou o velho Antônio ao sub Marcos. Que quando os deuses decidiram criar as gentes fizeram um primeiro experimento. E fizeram homens e mulheres de ouro. Eles brilhavam muito, eram bonitos, mas não se moviam, não trabalhavam, porque eram muito pesados.


Então os deuses decidiram fazer os seres de madeira. Esses, homens e mulheres, se moviam, trabalhavam muito. Os deuses pensaram que tudo estava bem, mas, logo perceberam que os homens de ouro haviam se apropriado dos homens de madeira, fazendo com que trabalhassem para eles. Eram seus empregados.


Os deuses não gostaram disso e fizeram outros homens e mulheres, dessa vez de milho. E que esses eram bonitos, falavam a língua verdadeira, se moviam, trabalhavam e subiram as montanhas para fazer o caminho verdadeiro.


Então, disse o velho Antônio que os homens de ouro, brancos, são os ricos, os de madeira, morenos, são os pobres e os de milho são aqueles que os de ouro temem e os de madeira esperam. Então alguém perguntou ao velho de que cor eram os homens de milho.


E ele respondeu: assim como existem vários tipos de milho, os homens de milho têm muitas cores, têm todas as peles, e que ninguém poderia saber quem nem como eles eram, porque tinham como característica não ter um rosto.


É por isso que os zapatistas usam o pasamontañas (gorro preto). Porque eles são os homens e as mulheres de milho. Podem ser qualquer um. São qualquer um que fale a língua verdadeira e faça o bom caminho.


Veja o vídeo...